Crianças pequenas podem ser amigas? Podem, mas do jeito delas. Isso quer dizer que você deve estar preparado para ver um morder o outro, tomar o brinquedo sem pedir… São coisas da idade que precisam ser compreendidas. “Na faixa de 1 a 3 anos, a criança ainda é egocêntrica e a questão da posse dos objetos é muito presente. Por isso, é comum, para elas, tirar um brinquedo da mão da outra e sair andando”, diz Daniella Leonardi, diretora da Escola Cidade Jardim PlayPen (SP).
Os pequenos vivem a famosa fase oral, em que usam a boca como meio de descobrir o mundo. Enquanto não sabem falar, acabam, algumas vezes, batendo sem motivo, só para conseguir o que querem. Claro que, se o comportamento de agressão for muito frequente e intenso, é preciso atenção dos pais. Não é necessário privar aquele que apanhou do convívio do outro, mas zelar para que aconteça da forma mais protegida possível, supervisionando e separando em caso de agressão. A regra é a mesma para o pai daquele que bate, mas com a tarefa extra de explicar ao filho que ele não pode fazer isso, ainda que pareça não entender.
Não raro, uma criança mais passiva fica amiga de uma mandona. Os especialistas consultados dizem que as lideranças do grupo começam a despontar com 4 ou 5 anos. Quando isso acontece, os outros se tornam seus seguidores, quase como aquela brincadeira do “seu mestre mandou” – e não se engane pela pouca idade deles: o líder percebe a força que sua opinião tem sobre os demais.
Quando o professor identifica isso na escola, deve usar estratégias e brincadeiras para diluir essa configuração, de modo que os papéis sejam invertidos em algumas situações: os seguidores se tornam líderes e o líder se torna seguidor – isso também pode ser feito em casa pelos pais. Caso surjam conflitos decorrentes da relação entre um líder e um seguidor, o recomendado é que cada criança exponha oralmente à outra como se sentiu e o que não agradou. Elas devem se ouvir e tentar resolver a situação entre si.
Mas, se o seu filho nem percebe essa relação, e o incomodado é você, analise, primeiro, se o comportamento está sendo prejudicial para ele – lembre-se de que sempre vão existir líderes em todas as áreas da vida e que tudo bem se o seu filho não for um, talvez o papel dele dentro do grupo social seja outro mesmo. Caso a relação seja prejudicial, o que você pode fazer é orientá-lo que não precisa obedecer o amigo se não quiser, que não tem de fazer o que não se sente confortável nem concordar com tudo.
Crianças mais introvertidas e tímidas podem ter dificuldades para fazer amizade. Nesses casos, os pais podem se aproximar de uma turma no playground do prédio, por exemplo, e apresentar o filho, perguntando se ele pode brincar com eles. Assim, da próxima vez, ele já terá uma referência de como agir. Você também pode convidar os colegas da escola para frequentar sua casa. Dessa forma, eles terão sobre o que falar na sala, além de memórias de momentos divertidos juntos.
Mas, se a criança nunca é chamada para nenhuma festa e aparenta estar sempre isolada, o ideal é fazer um trabalho com a escola para detectar por que isso acontece. Você também pode matricular seu filho em aulas extracurriculares de teatro ou esporte, que ajudam a diminuir a inibição. Em último caso, avalie se não é melhor mudá-lo para uma escola que preze mais o entrosamento entre os alunos. Só não o pressione. Vale ainda recorrer à ajuda psicológica para descartar doenças como a depressão.
Se o seu filho é bastante sociável e faz amigos facilmente, fique tranquilo. “Percebo que a minha filha Giullia faz muitos amigos porque tem facilidade de se aproximar das crianças e convidar para brincar junto. Outro fato que contribui é que ela tem a mim e ao pai como referência em casa: nós cultivamos nossas amizades também”, conta a editora de educação da CRESCER, Cristiane Marangon. Só esteja atento para identificar se o seu filho não age dessa forma para chamar a atenção, podendo dar um pouco mais de trabalho com a concentração na sala de aula. Oriente-o de que há hora para tudo – até para brincar e fazer graça.
Quem disse que irmãos não podem ser bons amigos? É exatamente isso que acontece na casa da médica Luiza Rachael Nogueira, 39 anos. “Quando um acorda, a primeira coisa que pergunta é se o outro já acordou. É lindo ver os dois juntos”, conta Luiza, mãe de Pedro, 6, e Letícia, 4. Nesses casos, só é preciso atenção se o caçula vira uma “sombra” do irmão e acaba não tendo personalidade. Vale, então, conversar sobre a importância de ter suas próprias atitudes.
Há também casos em que os irmãos não têm afinidade. Os pais devem estar atentos ao contexto em que a falta de amizade acontece e a expectativa que têm dessa relação. Em geral, irmãos vão ser amigos, mas, muitas vezes, passam antes por situações de ciúme e competições. Pode ser, ainda, que eles tenham interesses diferentes, o que até aparenta uma falta de amizade, mas, na verdade, está relacionado ao gênero e à idade. “É preciso que os pais observem a forma como eles próprios se relacionam com a família (mãe, pai e irmãos), para identificar se têm um laço forte ou superficial, pois a criança percebe e tende a ter comportamentos similares”, alerta Rita.
Por fim, não desanime se o seu filho é único: a amizade pode existir entre primos e amigos do prédio, que convivem e brincam juntos, e viram irmãos do coração.
Gabriel, filho da empresária Letiane Gonçalves, 32 anos, estudava com Fernando desde o berçário. Eram melhores amigos. Com 6 anos, mudaram para a mesma escola. Mas, então, Fernando fez novas amizades e se distanciou de Gabriel. “Meu filho ficou muito triste. Às vezes, chorava e ficava quieto. Dizia que o amigo não o chamava mais para jogar bola”, conta. Com muita calma e conversa, ela explicou que ele podia fazer amizade com outras crianças. “Comecei a levá-lo na casa de outros colegas e incentivei que se abrisse para novas amizades. No aniversário, convidamos todos os alunos da sala. Com o passar dos meses, ele percebeu que os outros também podiam ser seus amigos.”
O modo como Letiane agiu é um bom exemplo. “Se os pais olharem para trás, vão lembrar que alguns de seus próprios amigos se afastaram por um tempo e depois voltaram. É preciso ficar tranquilo e ter em mente que isso é um processo da construção do vínculo da criança”, explica Ana Teresa. Outro sentimento que pode surgir em uma situação como essa é o ciúme. Quando há alguma dependência na amizade, é preciso atenção. “Se identificamos algo negativo, que não beneficia ambas as partes, é preciso estimular novas amizades”, explica Juliana Saragiotto, psicóloga do Colégio Humboldt (SP). O adulto deve mostrar que ela pode descobrir afinidades com várias crianças. Para isso, vale diminuir as visitas na casa do amigo de sempre e convidar novos colegas para frequentar sua casa. Explique também como é importante e divertido brincar com pessoas diferentes.
Não se engane, isso vai acontecer cedo ou tarde, seja por questões financeiras (é caro convidar todos os alunos) ou de afinidade. Nessas situações, o adulto precisa estar preparado para enfrentar a frustração – do filho e dele próprio. “Os pais devem aceitar que não é o fim do mundo. E explicar que algumas pessoas se identificam mais com umas do que com outras”, afirma o psicólogo Ribeiro.
A oportunidade é ideal para sentar com o filho e perguntar por que ele achava que era tão amigo do aniversariante. “Às vezes, ele pensa que é amigo do outro, mas não é correspondido. É importante ter essa compreensão, para entender que algumas pessoas dão a impressão que são nossas amigas, mas não são”, diz Rita. Algumas escolas tentam evitar esse tipo de problema pedindo aos pais que apenas entreguem o convite na escola caso toda a sala seja convidada. Outras não permitem a entrega nem no portão de entrada.
“Meu filho Miguel tem 6 anos e considera a Maria Eduarda, 4, sua melhor amiga. Eles são primos e vivem em um grude só desde novinhos. Juntos, não param quietos: brincam de escola, dividem brinquedos e, às vezes, até brigam, mas logo estão de bem”, conta a operadora de atendimento Jani Vituri, 29. Os psicólogos defendem que, quanto mais heterogêneo for o grupo de amizades, melhor para a criança – e isso inclui o gênero.
“Menino que convive só com menino será limitado na empatia com as meninas e vice-versa. Criança é criança: para elas não faz diferença o gênero. É bom que a menina queira jogar bola e que o menino brinque de boneca”, diz Ribeiro.
A partir dos 4 anos, as crianças começam a perceber melhor o outro, iniciam as comparações e têm maior percepção do próprio corpo. É comum que surjam, então, situações de uma querer beijar e abraçar a outra. Algumas até falam em namorar. Isso é, em grande parte, reflexo do que veem diariamente na mídia, ou seja, uma imitação de comportamento. Quando se deparam com essas questões, os pais devem ensinar ao filho que ele é capaz de expressar carinho de várias formas – com palavras, desenhos e brincadeiras em conjunto – e dizer que ele não deve beijar outra pessoa na boca.
A analista administrativa Luciana Passarella, 29 anos, tem uma melhor amiga chamada Letícia. Elas se conheceram aos 4 anos. Agora, têm filhos com idades próximas. “O meu, Felipe, tem 10 meses. O dela, Henrique, 1 ano e 3 meses”, conta Luciana. “Sempre saímos juntas ou marcamos jantares para reunir nossos filhos e criar vínculo. Tenho certeza de que a amizade deles será tão linda quanto a nossa.”
No caso da agente de atendimento Janaína Felix, 37, a tática deu certo. Ela e Michele são vizinhas e ficaram bem amigas quando estavam grávidas. As filhas, Beatriz e Marina, hoje com 5 anos, seguiram esse caminho. “As meninas sentem nossa amizade e estão construindo a delas. Queremos passar uma relação com respeito, dedicação e amor!”, diz Janaína.
Histórias como essa são uma inspiração. Mas os pais devem ter em mente que, por mais amigos que sejam, não há como forçar o laço entre as crianças. A identidade que os fez ser amigos não necessariamente acontecerá entre os filhos. E os adultos devem estar preparados para, inclusive, eles não se darem nada bem. Se esse for seu caso, o melhor é evitar o contato entre as crianças, especialmente quando não houver outras para elas interagirem separadamente. Prefira marcar encontros só com os adultos amigos.
Uma hora ou outra você vai se deparar com aqueles amigos que são um “terror”: fazem bagunça, mexem na casa toda, falam palavrões… A vontade de repreender o colega pode ser enorme, mas, lembre-se: é para seu filho que o recado deve ser dado. Explique que há diversas formas de se comportar e que o modo como o outro age não agrada a vocês, apontando em que ponto ele passou dos limites. O mesmo deve ser feito com os palavrões. “Em geral, crianças pequenas não sabem o que eles significam, mas, se perceberem que o assunto gera ansiedade nos pais, elas podem repetir de propósito, só para manipulá-los, assim como acontece com a birra”, alerta Rita. Portanto, muita calma ao explicar que isso não é bonito de se dizer.
Se o problema for a bagunça, vale deixar claro para o filho que os objetos têm um valor e que a família trabalhou para tê-los. Por isso, não é legal o amigo mexer no que não pode e quebrar. Caso a criança pule no sofá, vale passar a orientação para o filho na hora e, se não der resultado, dizer mais tarde que prefere que o amigo não vá à casa deles, pois vai se incomodar. Se a mãe não fala, ela concorda com a situação. Já na escola, não há como limitar o convívio. Cabe aos pais ensinar que ele não pode se prejudicar pelo comportamento do outro e que, caso seja afetado, deve se defender.
Geralmente, é por volta de 4 anos que a criança começa a frequentar a casa dos amigos e, a partir de 5, pode estar preparada para dormir fora de casa. Conhecer a rotina e os hábitos de outras famílias é positivo, pois amplia a visão de mundo. É inevitável, porém, que ela faça comparações e questione aspectos como “na casa de fulano eu podia ficar acordada até tarde”. É uma boa chance para ensinar seu filho que cada família tem suas próprias regras – que não são melhores nem piores, apenas diferentes.
Pode acontecer o contrário também: seu filho dorme lá e descobre que não se identifica com o estilo da família (horário, comida, medo de um bicho de estimação…). Ouça o que ele tem a dizer e não o force a voltar. Uma opção para manter a amizade é fazer passeios com o colega em outros lugares ou deixar seu filho visitá-lo por curtos períodos – uma tarde, por exemplo.
É comum que as crianças elejam um amigo como ídolo por um tempo e queiram ter as mesmas roupas e brinquedos ou repetir as atitudes dele. Com o tempo, elas percebem que não precisam copiar o colega para ter sua amizade e param com isso. Mas é bom ficar alerta quando esse comportamento é exagerado, questionando, por exemplo, por que o filho quer um objeto ou está fazendo aquilo. Explique que a amizade não depende disso. Se não der resultado, procure ajuda de um psicólogo. Na outra ponta, a criança “copiada” pode dizer ao amigo: “Seja você mesmo”, orienta Rita.
13. Até que a escola nos separe?
Tem coisa melhor do que amizade de longa data? Beatriz, 6 anos, filha da empresária Priscila Colnaghi, 38, estudou desde os 9 meses com Sophia, que se tornou uma grande amiga. “Elas ficaram na mesma escola até o ano passado. Agora, apesar de não se verem todos os dias, a amizade continua: fazem natação juntas no sábado de manhã e emendam com uma tarde de brincadeiras”, revela Priscila. Ela diz que Beatriz também mantém contato com outros amigos da mesma turma. “O grupo de 11 crianças ainda vive no coração da minha filha. Fizemos uma boa amizade com os pais e costumamos nos reunir, pelo menos, uma vez por mês para nossos filhos brincarem. Com certeza será uma amizade para a vida inteira.”
Para que o seu filho não perca o contato com os amigos da primeira escola, você pode investir em noites do pijama, sessões de cinema, passeios e atividades em que eles mantenham a convivência. “Meu filho, Gustavo, conheceu a Clara no berçário, ele com 5 meses e ela, 4. Eles conviveram por três anos, até que mudaram de escola. Mas isso não abalou a amizade”, diz a mãe, a assistente executiva Lilian Sena, de 36 anos. Para a psicóloga Rita, esse tipo de relação é positiva. “É maravilhoso manter amigos de infância. Quando há uma história, algo especial aconteceu. Se uma amizade sadia se perpetua, é porque continua tendo o que acrescentar.”
É evidente que não vai dar para pegar sessões de cinema ou fazer passeios tão facilmente quando o amigo do seu filho muda de cidade. E isso pode gerar nele uma tristeza ainda maior do que a simples troca de escola. Mas a forma de lidar com a perda não muda. “Há crianças que sofrem menos e outras, mais. Trata-se de uma frustração que precisa ser administrada”, diz a psicóloga Melina Blanco, do Hospital Israelita Albert Einstein (SP).
Você pode conversar com seu filho acolhendo-o e legitimando seus sentimentos, sem menosprezar essa dor, sob o risco de ele ficar ainda mais angustiado. Ao mesmo tempo, é importante estimulá-lo a encontrar recursos para enfrentar essa situação, tanto fazendo novos amigos – ao promover encontros em que ele fique junto de outras crianças –, como mantendo contato com o amigo que se mudou. Por meio das redes sociais, por exemplo, é fácil estabelecer conversas em vídeo ou em texto entre as crianças, ainda que morem em países diferentes. Elas também podem ser incentivadas a mandar cartas, e-mails, fotos e desenhos uma para a outra.
Férias são divertidas e passam rápido. Por isso, costumam ser tão intensas para a criança. Quando ela faz um bom amigo na viagem e partilha momentos prazerosos com ele, pode ser dolorosa a despedida. Aqui, valem as mesmas dicas de quando o amigo muda de escola ou de cidade. “Explique que existem momentos de despedida na vida, mas que é possível manter contato. Pode ser que o sentimento de perda ainda dure uns meses, mas a criança tem o poder de se reorganizar muito rápido”, diz Daniella Leonardi.
*Crescer
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