Há exatos 100 anos, nascia na Ucrânia pós-guerra civil Clarice Lispector, cânone da literatura brasileira. Diante da perseguição aos judeus na época, a escritora chegou, aos 2 anos, ao Nordeste do Brasil, onde viveu até os 14 anos de idade. No dia de seu centenário, celebrado nesta quinta-feira (10) a autora se torna cidadã pernambucana, título concedido pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
Clarice Lispector nasceu em 1920, numa família judaica russa e tinha duas irmãs mais velhas. Em 1922, a família, que havia perdido os bens na guerra civil, decidiu sair da Europa para o Brasil. Maceió (AL) foi o primeiro destino e, poucos meses depois, os cinco se instalaram na capital pernambucana.
Casa em que Clarice Lispector morou fica na Praça Maciel Pinheiro, no bairro da Boa Vista, Centro do Recife — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press
Casa em que Clarice Lispector morou na infância fica ao redor da praça Maciel Pinheiro, onde há uma estátua da escritora — Foto: Katherine Coutinho/G1
A estátua fica em frente a um sobrado na Praça Maciel Pinheiro, no Centro do Recife, onde Clarice Lispector aprendeu a ler, escreveu os primeiros poemas e viveu a maior maior parte de sua infância e adolescência. A casa, que está em processo de tombamento, encontra-se atualmente em situação de abandono.
Da esquerda para direita: Mania, Clarice e Pinkouss (sentados); Elisa e Tania (em pé), no Recife, na década de 1920 — Foto: Acervo pessoal
Apesar de ter morado a maior parte da vida no Rio de Janeiro, Clarice Lispector se declarava pernambucana. “Felicidade Clandestina”, livro lançado em 1971, é encenado na capital pernambucana. Mas, para Amélia Reynaldo, o Recife aparece nas obras dela em diversos pontos, inclusive quando não é citado. Foi no Recife que a mãe dela, Mania Lispector, morreu e foi enterrada no Cemitério Israelita do Barro.
“O terceiro livro dela, ‘A cidade sitiada’, lançado quando ela tinha 29 anos, é permeado de informações sobre o Recife. Tem características, manifestações, processos que você só encontra no Recife. A praça é a Praça Maciel Pinheiro. O mercado de peixe é o da Boa Vista. O pé da escada e a sala de visitas são do sobrado onde ela morou. As portas metálicas que abrem e fecham as lojas e, claro, o banho de mar em Olinda, do qual ela fala precisamente. Ela ia de bonde tomar banho de mar”, explicou a pesquisadora.
No Centro do Recife, casa de Clarice Lispector tem teto danificado — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press
Ainda segundo Amélia Reynaldo, a efervescência política e cultural do Recife da década de 1920 tiveram influência direta na formação da escritora. Isso porque era nas praças como a Maciel Pinheiro que se discutia a cidade. Os jornais, que ficavam a, no máximo, 1,5 quilômetro da casa de Clarice, ficavam presos nos postes e serviam como ponto de discussão entre os moradores.
“O pai dela era um mascate, era uma oportunidade de perceber tudo isso. As pessoas tinham uma visão muito importante de discussão. As famílias residentes do entorno da Praça Maciel Pinheiro se reuniam para discutir a cidade e o mundo que deixaram. Aquela densidade de acontecimentos deve ter sido muito absorvida e compreendida. As discussões urbanísticas da época, a reforma urbana do Bairro do Recife e Santo Antônio tinham as atas publicadas nos jornais. Isso tudo era o Recife que Clarice vivenciou”, afirmou.
Clarice Lispector no jardim Derby, no Centro do Recife — Foto: Acervo pessoal
A casa de Clarice Lispector
Casa de Clarice Lispector, no Recife, padece de falta de manutenção — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press
A casa onde Clarice Lispector morou, na Praça Maciel Pinheiro, pertence à Santa Casa de Misericórdia. No local, o que se vê é abandono. Sujeira, rachaduras, reboco precário e pichações são as características mais marcantes. Mesmo com as portas lacradas, é possível ver que, no primeiro e segundo andares, o teto está danificado.
Se não fosse por um cartaz colado por algum admirador da escritora, seria difícil saber que, ali, viveu Clarice Lispector, já que a placa que contém essa informação, além de danificada, fica coberta pelos garrafões de água mineral de algum comerciante que utiliza o espaço para garantir sustento.
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