A seleção brasileira divulgou fotos oficiais das atletas antes da partida rumo a Tóquio para a disputa dos Jogos Olímpicos. Nelas, chamou a atenção o gesto de Marta ao posar para a câmera com o cabelo solto, cobrindo justamente o canto onde fica o símbolo do patrocinador esportivo do uniforme do Brasil.
Não há a confirmação de que foi um gesto proposital, mas considerando a postura firme de Marta sobre o tema desde a última Copa do Mundo, dá para imaginar que não foi coincidência.
Em 2019, na Copa do Mundo feminina da França, a mais vista da história, Marta entrou em campo com uma chuteira pintada de preto, sem nenhum patrocínio evidente. Ao marcar seu primeiro gol no Mundial, de pênalti, contra a Austrália, a camisa 10 ergueu a chuteira e mostrou o símbolo da campanha “Go Equal”. Era um recado sobre sua luta por igualdade.
Dois anos depois, ela parte para o Japão para disputar sua quinta Olimpíada e a situação é a mesma: ela segue sem contrato com nenhum patrocinador esportivo.
Isso não acontece por falta de interesse das marcas. Elas chegaram, nos últimos três anos, a fazer propostas para Marta. Mas a atacante considera os valores oferecidos injustos. E, pensando justamente na valorização do futebol feminino, negou todas as propostas.
“Eu continuo sem patrocínio. Antes mesmo da gente iniciar essa campanha (na Copa) a gente recebeu propostas, até de renovação, mas acho que a valorização tem que partir da gente. Eu me sinto no direito de me valorizar, por tudo que a gente foi conquistando ao longo do tempo seja dentro de campo ou fora dele também. Eu queria dar esse exemplo pra outras atletas e até outras atividades fora do esporte, para que a gente possa buscar por igualdade. Juntas”, afirmou Marta em entrevista ao Esporte Espetacular em setembro do ano passado.
Esse é um tema complexo, porque as pessoas tendem a rebater de imediato dizendo que o futebol feminino não gera o mesmo lucro que o masculino e, por isso, não seria viável igualar os pagamentos de patrocínio entre jogadores e jogadoras.
Mas esse não é o foco da discussão. Marta não quer ganhar como Neymar ou Messi. Ela quer ganhar como Marta. Como a jogadora eleita pela Fifa seis vezes a melhor do mundo, como a maior artilheira da história das Copas (entre homens e mulheres), como a maior artilheira da história da seleção brasileira. Ela quer ganhar um valor justo por ser a jogadora mais relevante do futebol feminino atualmente.
Antenadas debate mulheres no esporte.
É claro que os mercados são diferentes. A realidade é diferente porque o futebol masculino tem mais de um século de história, enquanto o feminino foi chancelado oficialmente há pouco mais de 30 anos. Mas é preciso haver um caminho de valorização de uma modalidade que tem crescido mais a cada ano. E se hoje o futebol das mulheres quebra recordes de audiência (como aconteceu na Copa do Mundo de 2019) e desperta cada vez mais o interesse do público, isso se deve muito ao trabalho de Marta dentro e fora de campo.
É justo e muito legítimo que ela queira uma remuneração justa de um patrocinador esportivo por isso. E o fato de ela rejeitar as ofertas faz com que sua importância seja ainda maior. Ela não faz isso por si própria – se estivesse pensando em si, ela não abriria mão de ganhar o dinheiro que estão oferecendo. Sua atitude é pensando justamente no futuro. Nas meninas que ocuparão o seu lugar nas próximas décadas.
“Financeiramente eu não ganhei nada com isso, mas eu sinto que a mudança é nítida. Acho que não tem preço, e valeu a pena, tá valendo a pena. Como eu falei, a valorização, ela tem que partir da gente primeiro para que as pessoas entendam que você tem que receber. O ser humano, qualquer que seja, através do trabalho que ele tenha, através do que ele faz, e não do gênero”, disse Marta à TV Globo ainda em 2020.
“A valorização, ela tem que vir primeiramente de você. A nossa luta não é só no esporte, a nossa luta é na vida. A nossa luta é buscar igualdade pra todos em todos os sentidos. Então a gente fica super feliz e a gente vai continuar fazendo isso sempre, buscando a igualdade e o respeito. Meu desejo é que que a gente possa realmente ver a mudança e que as futuras gerações não tenham que sofrer tanto pra alcançar os seus objetivos”.
O episódio #50 do podcast Rodada Tripla debate muito bem o tema com Ana Thaís Matos, Amanda Kestelmann e Bárbara Coelho, jornalistas da TV Globo. E, infelizmente, às vésperas de mais uma Olimpíada, o tema volta à tona, porque Marta segue sem patrocínio esportivo.
Mais um enorme motivo para admirarmos ainda mais esse ícone do nosso futebol. E uma ótima justificativa para cobrarmos as marcas que vão aparecer aos montes agora para mostrar seu “apoio ao futebol feminino”.
As mulheres do futebol merecem mais do que migalhas. Elas merecem valorização (inclusive para além dos grandes eventos).
* Dibradoras
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